Reforma Religiosa

writer: Daniel Matos

O adjetivo protestante se refere àquele que protesta, geralmente contra o sistema vigente da época. Na idade moderna ocorreu a reforma protestante, movimento que confrontava dogmas estabelecidos pela igreja católica, que como seu nome sugere era universal. Entre reinos e feudos, em toda a Europa a unidade estava centrada na mesma. Quebrou a barreira de línguas, de cultura, certa vez ouvi uma frase que dizia: “A Inglaterra pode ter vencido as invasões da Noruega, mas foi arrasada pelo cristianismo”, essa frase mostra como as religiões consideradas “pagãs” sumiram na Europa. Ao longo de toda a idade média houve um monopólio intelectual nunca antes visto, em que a produção de conhecimento era monopolizada e controlada pela igreja, assim como a leitura da bíblia, e todos os assuntos relacionados ao “Reino de Deus”. A trajetória para que esse grande monopolista perdesse a maior parte do seu poder, que antes era maior que o dos reis, envolve um longo caminho e uma entrega total de homens que foram até a morte defendendo a sua fé, da mesma forma que os mártires construíram a igreja no século primeiro com seu sangue, os chamados protestantes lutavam pela “volta à igreja primitiva”, antes de Constantino ter, segundo protestantes, “manchado a igreja com dogmas pagãos”.

O conjunto de fatores internos e externos gerou a reforma. Dentre os fatores externos temos como principal o Renascimento, que tem como sua bandeira a volta de valores clássicos perdidos durante a idade média, idade média que foi controlada pela igreja. Podemos analisar que os valores do renascimento tinham como principal objetivo quebrar o monopólio intelectual, que era a maior força da igreja. Temos toda uma mudança de pensamento das pessoas durante a idade moderna, desde a substituição do humanismo ao invés do teocentrismo, o uso da razão em oposição ao misticismo, o uso da ciência para explicar fatores naturais, todos esses fatores estão intimamente relacionados à reforma. Outro fator chave que podemos citar foi a revolução científica da época, especialmente a invenção da imprensa por Gutenberg, que fez com que um livro deixasse de custar uma fazenda e se tornasse mais acessível à uma Europa cada vez mais rica e com mais condições financeiras.

Dentre os fatores externos temos uma crise de caráter e uma demonstração de hipocrisia que fez as pessoas se questionarem. O Nicolaísmo era um costume de cleros terem mulheres, o que era uma hipocrisia visto que, segundo os dogmas da igreja, o clero não poderia se casar. Tivemos também a venda de objetos considerados “sagrados”, a venda da vida eterna, você pagaria para ter acesso ao céu depois da morte, a chamada venda de indulgências, que aumentou muito no final da idade média para pagar a construção do Vaticano. Nesse aspecto a salvação seria pelas obras, pelo que você faz ou deixa de fazer, pela quantidade de dinheiro que você tem. Além disso, enquanto o clero pregava uma vida humilde e de caridade, quase considerando a riqueza como um pecado, eles viviam no luxo como os nobres. Na idade média a riqueza era medida por terras, e a instituição que possuía mais terras era a igreja.

Todos esses fatores fizeram as pessoas refletirem, e várias pessoas que, revoltadas, foram precursoras da reforma. Jan Hus condenava a riqueza da igreja e pregava na língua do povo, e não em Latim como a igreja obrigava, visto que Latim não era mais utilizado como língua pelas pessoas na época. Ele foi morto na fogueira. Outro bem conhecido foi John Wyclif, que rejeitava o celibato e o culto a imagens, santos e relíquias. O principal nome da reforma era um monge agostiniano. Ele tinha acesso à Bíblia e considerou que o que a igreja pregava não estava de acordo com a palavra. Dessa forma, pregou suas famosas 95 teses numa igreja alemã, em que tinha como principais bases a sola scriptura, somente a palavra de Deus, transmitida pela bíblia, é a fonte de toda a verdade, verdade indiscutível e inabalável, Solus Christus, somente Cristo salva, Sola Gratia, somente a graça, Sola Fide, somente pela fé, e Soli Deo Gloria, somente à Deus a glória. A principal crítica de Lutero à igreja era em relação à salvação, que é o mais importante no cristianismo. Lutero defendia que o homem só poderia ser salvo pela graça, por meio da fé. Aquele que confessar Jesus como salvador e, no seu coração, crer que Deus o ressuscitou dos mortos, seria salvo. Ele criticava arduamente como a igreja vendia a salvação. Somente Cristo salva, somente pela graça, somente através da fé. Outros pontos principais eram a bíblia como única fonte de verdade, considerando isso sua leitura é necessária para todo cristão, isso incentivou a alfabetização, a impressão em massa e a leitura em boa parte da sociedade europeia. E para finalizar temos somente à Deus seja dado a glória, não era permitido culto aos santos nem a Maria.

O protestantismo cresceu e se espalhou pela Europa, a junção entre revolta das pessoas contra a hipocrisia da igreja e a busca dos reis de romper com a igreja, às vezes por causa de imposto e às vezes por causa de casamento, foi muito poderosa. Como dito anteriormente, cada cristão deveria ler a bíblia e tirar sua própria interpretação, isso teve implicações fantásticas, como o surgimento de escolas públicas em praticamente todos os países europeus, o aumento extraordinário da alfabetização, e a expansão da tecnologia da imprensa, como a bíblia tinha uma alta demanda por ser impressa, o mercado da imprensa cresceu, todos esses fatores favoreceram o desenvolvimento da ciência e da sua divulgação por livros, como Kepler e Newton fizeram. Os livros agora passaram a ser impressos em massa, e as obras de cientistas como os citados anteriormente poderiam ser lidos em várias universidades, que também foram fundadas no final da idade média, sendo Oxford a universidade mais antiga da Europa. Como o pensamento se tornou descentralizado várias correntes cristãs protestantes foram formadas, como o calvinismo e o arminianismo, sendo que todas elas, mesmo tendo divergências, desde que acreditem na salvação pela graça por meio da fé em Jesus, são irmãs, e seus membros se consideram irmãos.

A influência da igreja caiu muito, católicos passaram a ser até mesmo perseguidos em alguns países que adotaram o protestantismo, e vice-versa. Obviamente a igreja católica, conhecida pelo tribunal do santo ofício na idade média, que literalmente matava pessoas consideradas hereges, não deixou essas por essas vendo que sua influência e, consequentemente, seu poder caía continuamente. Primeiramente ela expulsou os protestantes que faziam parte da igreja, que eram praticamente todos, e depois começou uma série de “reformas” para reverter a tendência de queda, ficou conhecida como contrarreforma. Uma das ações mais efetivas foi a companhia de Jesus, mais conhecida por nós, brasileiros, como os jesuítas, que tiveram uma participação central na história do Brasil. Eles foram responsáveis por pregar o catolicismo no mundo, uma evangelização que era uma característica protestante e que é até hoje. Eles tornaram o Brasil o país mais católico do mundo e, a América latina, o continente mais católico do mundo. Embora a igreja tenha perdido muito poder na Europa, Portugal e Espanha ainda eram considerados reinos católicos, e ambos os países foram os maiores pioneiros das grandes navegações, toda a América Latina foi colonizada por eles, e a igreja foi fundamental na colonização. De maneira bem eficaz e com ótimos resultados. Foi criado os seminários para a formação de padres, meu avô inclusive fez parte de um. A inquisição também foi bem forte para conter os “hereges”. O concílio de Trento foi uma tentativa de reformular a igreja, que incluiu desde o fim da venda de indulgências, que foi o estopim da reforma, assim como o impedimento da circulação de livros e a infalibilidade do papa foi discutida.

Todas essas medidas tiveram um grande efeito, especialmente na América Latina, mas mesmo assim não reverteu o efeito da reforma, agora o conhecimento estava disperso pela sociedade, várias correntes surgiram, até mesmo não protestantes, o impacto da leitura na sociedade europeia assim como da alfabetização e das escolas é algo que durará para sempre. Outro fato interessante foi o surgimento dos Estados Unidos, que foram fundados por imigrantes protestantes, majoritariamente ingleses, que se tornaram a maior nação do mundo, posto que permanecem até hoje. Com a alta produtividade americana, vários foram pregar em outros lugares do mundo, inclusive no Brasil. Essa ascensão de um país puramente protestantes foi uma novidade, foi o primeiro e talvez o último país formado majoritariamente com sua base protestante. A Universidade Presbiteriana Mackenzie, que se localiza em várias cidades brasileiras, foi fundada por imigrantes americanos protestantes.

Embora protestantes e católicos tenham várias divergências em pontos centrais, e se considerem duas religiões diferentes, ambas foram fundamentais para a fundação da civilização europeia, ambas concordam em valores morais e ambas estão sofrendo na sociedade pós-freudiana. Enquanto a Europa se esfria e se torna cada vez mais atéia, o cristianismo continua no novo mundo e, mais recentemente, com uma alta expansão na Ásia, principalmente na China.

THE END

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